NUNCA MAIS FUI SÓ
Certa vez, parei para escrever sem ter papel. Eu tinha a idéia, sem ter idéia de onde pô-la. Curioso que escrevo isso agora tendo opções dele: à minha frente, em minha mesa, um caderno; ao meu lado, na gaveta, um maço de sulfite; no armário atrás de mim, cartolinas que uso para confeccionar etiquetas dos cafés de que tomo conta na secagem.
Naquela ocasião com que iniciei o texto, eu tinha uma caneta e um lápis. Logo pensei: será que a tinta da caneta é poluente, será que a madeira do lápis é de extração ambientalmente sustentável? Vejo que me distraí. Se sim e se não, respectivamente, não ter papel seria punição da natureza? “O universo conspira pelo fim do verso se ele vier só?”
Sem papel, mas munido de instrumentos de tingi-lo, pensei em perguntar a quem passasse se eles teriam algum caderno. Passaram centenas de pessoas sem sequer um bloco de notas. Joguei lápis e caneta fora.
Um dia, andando pelo mesmo caminho, fui parado por uma criança que tinha consigo uma caixa de lápis de cor (cujo plural eu preferiria ‘lápis de cores’): “Tio, o senhor não tem uma folha de papel pra eu pintar?”. E eu não tinha. Dei a mão à criança, deixando a mão direita dela livre —ela era destra, como eu—, que veio desenhando com o dedo no ar... até encontrarmos um livro de colorir, mas a criança já estava a dormir em meu próprio colo. Eu nunca mais fui só quando escrevia.
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