Textos


DE NOTURNA COMPANHIA

 

Já se passava das nove horas da noite. Será que o efeito seria outro se eu usasse “já se passava da meia-noite”? Já se passava das vinte e uma horas, doze ao contrário, e só se ouviam cães latindo na cidadela. “Cão” e, por conseguinte, “cadela”, são elogios. Ninguém cria canídeos de raça nesta cercania. São cachorros mesmo, como os homens deste vilarejo.

 

Ao que me parece, os cachorros dum canto conversam com os outros doutros e vice-versa noite adentro. Fico pensando em como as pessoas que estão perto deste barulho conseguem dormir. Com certeza, já se acostumaram com os latidos.

 

É minha primeira semana aqui. Será que somente eu —que considero dormir cedo, mas que, pra eles, já é tarde— observo os ladridos? Ladrões de sono: os latidos ou o que penso deles?

 

Certa feita, houve inúmeros latidos misturados com miados desesperados, agoniados... mortiços. Entendi que um cachorro pegara um gato... e fora letal. E não eram latidos; era um alvoroço de uivos de vitória de todos.

 

Acordei. E, logo cedo, ao sair para comprar o pão, um cheiro forte de urina de cachorro —vem de experiências pregressas reconhecer a espécie do xixi, como discernir entre chuchu e maxixe— impregnado em meu portão. Não lavei.

Já se passava um pouco das seis da manhã, e este foi o primeiro mijo, de infindáveis que o seguiriam pelos dias em que ali morei.

 

E moramos ali o resto da urina: eu —um mestiço caniço— e o meu mudo —que eu não conhecia— cão de companhia.

 

 

 

 

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Andalaquim
Enviado por Andalaquim em 11/08/2024
Alterado em 11/08/2024
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