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iaquafi. Saramthali, Rasuwa, Nepal—11Fev2024

NO BALÉ DO CAFÉ, SÃO MUITOS MEUS PARES COM MEU PAI

 

O ano é 2001. Os produtores de café são Celso, Helder e Paulo.

 

Paulinho viaja para Caconde para atender a um curso de cultivo de café agroflorestal. Primeira etapa da viagem: de Paraisópolis para Machado, onde vai se encontrar com o colega Alex Nanetti, e juntos seguirão para o interior de São Paulo.

Ao chegar à casa de Alex, este tem sobre a mesa algumas amostras de café, que intrigam Paulinho. “São para o concurso nacional de qualidade.”, explica Nannetti, que fala para Paulo enviar amostras de seu café também. Ambos cultivam café orgânico. Mas as inscrições se encerrarão no dia seguinte, o que desmotiva Paulinho. No caminho para Caconde, Alex convence Paulo.

Ao chegar à propriedade rural onde realizar-se-ão as aulas, o sinal de celular é precário. Após várias tentativas, Paulinho consegue falar com seu irmão Paineira, e o instrui sobre a coleta e envio das amostras. Celso as coleta no dia seguinte, mas, ao invés de algumas amostras, coleta uma apenas, representativa de um lote de mais de 100 sacas de café em pergaminho, do processamento cereja descascado. Numa correria para não perder o prazo de inscrição, a amostra é enviada para Claiton em Santa Rita do Sapucaí, que a prepara conforme as regras do concurso e a despacha.

 

Passados vários dias, Paulinho recebe uma mensagem de e-mail convidando-o para a cerimônia de premiação dos melhores cafés brasileiros de 2001, na sede da Sociedade Rural Brasileira.

 

Desde que Celso doara a Paulo um rim, este ia periodicamente a consultas de acompanhamento em São Paulo.

Agendou a próxima consulta para o mesmo dia da cerimônia dos cafés. Para ir às consultas, Paulinho costumava dirigir até a rodoviária de São José dos Campos e, de lá, pegar um ônibus para São Paulo. Neste dia não. Ele fora de ônibus à capital paulista desde Paraisópolis.

 

Ao chegar à sala da cerimônia num prédio pomposo, o traje dos demais é terno. Paulinho estava de calça jeans e camisa de manga curta. O traje social dos demais se justifica ao entrar no recinto o então Ministro da Agricultura, Pratini de Moraes.

 

Em ordem decrescente a partir do décimo oitavo colocado, começou a divulgação dos vencedores. A medida que o anúncio ia transcorrendo, Paulinho pensava: “Fui convidado por formalidade.”.

“E o primeiro lugar, o melhor café do Brasil de 2001, pontuando 97,53, maior nota oficial e histórica até hoje,”, começou o mestre de cerimônias, “vai para Paulo Sérgio de Almeida & Irmãos, da Fazenda Santa Terezinha, de Paraisópolis, Minas Gerais.”

Paulinho levantou-se da cadeira e, com as pernas bambas, sentou-se de novo. Foi ao palco. Emocionado, recebeu o diploma e discursou que “um café orgânico tem que ser, obrigatoriamente, um café de qualidade, para não manchar a agricultura orgânica. E isso demanda muito trabalho da porteira pra dentro e passa por muitas mãos, às quais dedico esse prêmio”.

 

A viagem de volta foi muito longa. Também pudera: viagens paralelas. Entre lágrimas, nessa viagem de ônibus passou um filme da viagem da vida até ali.

Chegou, não dormiu e de madrugada já estava na fazenda, para reunir os funcionários antes de irem aos seus postos. “Esse prêmio é de cada mão aqui: dos calos que cavam, das palmas que plantam, dos dedos que derriçam, do rodo do terreiro ao rodo que coleta esterco nas pocilgas e nas cocheiras; das mãos que adubam e podam às mãos que tratam e ordenham.”, arrisco ter sido nesse sentido seu discurso.

 

Em seu leito de passamento, primeiro pedi perdão pelos meus atritos com ele, abrasivos, bravios e desnecessários, e, depois, prometi levar a mais mãos o seu legado, a —e há!— rincões cuja única riqueza é o sal do solo e o que brota da grota. Porém, não somente o legado de 97,53 pontos, que é, ainda, o recorde mundial, mas, principalmente, o de respeito à terra e ao camponês, e de amor nos grãos e nas marcas das mãos.

 

Todo dia, aqui no Nepal, acordo e desço ao terreiro sentindo-me de mão dada com o senhor, meu pai, Seu Paulo. Sou seu menino e seu infante. Então, mãos à obra, que “café bom tem calo na barriga do peão”, numa dança que não me cansa, ouvi dizer de um anjo que não descansa.

 

 

 

 

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[foto]

quando: 11Fev2024

onde: Nepal, Rasuwa, Saramthali

por: Andalaquim

Andalaquim
Enviado por Andalaquim em 26/06/2024
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