iaquafi. Saramthali, Rasuwa, Nepal—22Jan2024
TRINCO DE PORTA, TRAMELA DE JANELA, VIDA DE IDAS E VINDAS
A virada de chave da minha carreira só ocorreu quando eu percebi —e demorou, viu?— que a cafeicultura nos rincões onde eu trabalhava —foram dez anos nas zonas rurais da Tanzânia, Uganda e Etiópia— pouquíssimo se assemelhava à cafeicultura brasileira, muito majoritariamente de escala, para commodity. Tem uma pequena fatia —vai um cafezinho com esse bolo?— de cafés especiais no Brasil, de mão-de-obra escassa e cara, o que, muitas vezes, não a faz rentável. Se depender de trabalho manual, cafeicultores especiais do Brasil não se sustentarão. Ou se importa mão-de-obra e/ou se mecanizam os tratos culturais. Não vejo outras soluções.
Depois de várias tentativas sem sucesso de arrumar emprego na cafeicultura brasileira, desisti. Talvez, mora aí um propósito que desconheço. Foi exatamente diante dessas portas fechadas a mim que percebi a brisa pela janela, trazendo o cheiro de café fresco: minha cafeicultura é diferente; nem melhor nem pior, apenas diferente.
Antes de ir à Tanzânia pela primeira vez, em 2010, mergulhei na literatura brasileira de cafeicultura. Chegando lá, tudo, tudo, tudo era diferente. Ótimo! Excelente oportunidade pra eu implantar tudo aquilo que estudara. Ingenuidade! As técnicas de pós-colheita que fui contratado para ensinar não eram compatíveis com os lugares de secar. Antes de perceber isso, briguei, tentando implementá-las. Era maio de 2010. Só em outubro do mesmo ano mudei. E vi algo que casava com meus estudos e experiência: produção de fertilizantes naturais. E assim foi feito: cinco anos de disseminação teórica e prática de produção de adubos orgânicos no país inteiro. Deu certo. Porém, eu ainda não tinha despertado totalmente para a diferença gritante —mesmo ela gritando, eu não acordava— entre o Brasil e eles, no que tange ao o que caberia ser feito. Dei murros em pontas de facas de novo. Eu sangrava e não sabia singrar.
Até que um dia, em 2011, eu acordei de madrugada na Etiópia, debaixo de cinco cobertores, antes de um treinamento, pensando: “Não dá pra fazer isso, isso e isso, mas dá pra adaptar aquilo e aquilo. O negócio deles é exatamente como seu pai produz, mas numa escala bem menor.”.
Foi então que me lembrei de meu pai contando que um agrônomo da Colômbia foi visitá-lo em sua fazenda e, ao chegar ao cafezal, disse: “Se me trouxerem aqui de olhos vendados e me retirarem a venda, direi que estou na Colômbia.”. A partir daí, esqueci a cafeicultura brasileira —esqueci!— e mergulhei a fundo na literatura colombiana de cafeicultura. A chave virou.
E na palestra daquela manhã —cujo conteúdo, às pressas, eu mudei completamente na última hora—, seguida de um dia de campo na Floresta etíope de Harenna, incluí uma reportagem da seção Paladar do Jornal Estadão que mencionava o café da Santa Terezinha parecer-se, em termos de sabor, com os melhores cafés etíopes. A virada de chave da lavoura —Colômbia era o modelo— virou também a chave do processamento de café —Etiópia era o exemplo. Tudo lá em casa.
E, de casa em casa, tenho o privilégio de levar o meu quintal aos quintos dos céus do mundo. E, honrado, poder trazê-los comigo.
Hoje, tive a minha primeira discussão no Nepal. O produtor me disse: “Quão sortudos somos nós de tê-lo aqui.”. Ah, essas coisas me envaidecem nesses lugares sem vaidade. Entretanto, de pronto e de coração, respondi: “Quão sortudo sou eu de estar aqui.”. E ficamos nesse ‘bate-boca de sorrisos’ até ver que ambos podem ser verdade no que se chama reciprocidade. Dessa vez, não virei a chave. A porta já estava aberta.
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[foto]
quando: 18Jan2024
onde: Nepal, Rasuwa, Saramthali
por: Dan Maurer