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iaquafi. Saramthali, Rasuwa, Nepal—19Jan2024

O LUGAR MAIS QUE ALIMENTA, NOS NUTRE

 

Ontem, foi o jantar mais simples, mas mais legal até agora. Na primeira noite, éramos em seis expedicionários. Foram abatidos frangos, que foram feitos assados em fogo de lenha ao chão. Desde o segundo dia e meio, dos seis, restou eu, que aceitei o desafio: ficar até o fim da colheita e produzir um café como nunca antes produzido no Nepal: com altíssima qualidade de bebida, diversidade de métodos de processamento e traceabilidade do cafeeiro ao armazém.

 

Após esse período, a agenda já está cheia, com conferências pelo país —em que ministrarei a palestra “Como produzimos o melhor café do mundo e como espalhamos isso pelo mundo: as histórias de pai e filho cafeicultores e extensionistas”, tão grandemente ilustrada quanto o tamanho do título— e visitas a diversas áreas para a introdução da cafeicultura.

 

Como disse o senhor Santa —aqui, ‘santa’ significa ‘a voz do silêncio’—, principal homem do café no Nepal: “Trate de arranjar uma esposa nepalesa, pra você ficar por aqui e nós o termos para sempre em nossas terras.”.

 

Veja se isso não compensa —agradeço a cada instante (do fundo, do meio, do topo...), não reclamo em momento algum (...de todo o meu coração)— o lugar sem pia, sem chuveiro —toma-se banho numa torneira de água fria, sem privacidade alguma, onde também se lavam as louças e se bóiam as cerejas de café—, sem vaso sanitário —é um buraco no chão ao lado de onde ficam quatro búfalas—, sem fogão —como se eu cozinhasse. Só como—, o quarto cuja parede da frente são tábuas com grandes frestas entre elas e as outras paredes são de barro, o telhado é baixo e de folhas de zinco e o chão é de terra forrado de lonas, que, se bobearem, eu vou usar no terreiro de café.

 

Voltando à janta, antes que ela esfrie. Por falar nisso, aqui servem água quente para bebermos. Por dizer beber, uma entrada de destilado de painço: três dedos, deitados, no copo. Mas não se assuste: o teor alcoólico é de cerca de 3% apenas, que eu medi na escala alcoólica do meu refratômetro. Uma porção de arroz, lentilha e folhas de uma brassicácea que desconheço. E, de sobremesa, um doce de leite de búfala sem açúcar, mas que, mesmo assim, é doce. Ah, e não há mesa. Pernas dobradas sobre uma esteira de palha, como também é o colchão.

 

Obrigado pela ceia, obrigado pelo chão.

 

 

 

 

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[foto]

quando: 19Jan2024

onde: Nepal, Rasuwa, Saramthali

por: Andalaquim & Ishwor Acharya 

Andalaquim
Enviado por Andalaquim em 16/06/2024
Alterado em 24/06/2024
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