aferykawa-gan. Buhoma, Kanungu, Uganda—Jul2020

CERIMÔNIA, CELEBRAÇÃO. SEPULCRO

Não sou dado a rituais. Sou afeito à rotina.

Cerimônias e celebrações nunca fazem parte da minha agenda. E quando fazem, eu as pulo. Assim como pular uma determinada quantidade de ondas do mar na passagem para um novo ano é uma superstição, é um rito eu pular um ritual.

Já me ausentei das mais variadas ações de graças, a convites pessoalmente do próprio clero. Com fé falsa, confirmei presença. E fui fiel... em falhar com os compromissos das missas e dos cultos. Esquivo-me, me escondo... até que não me convidem mais, que é quando sou eu que dou as minhas graças a Deus. No convite mais recente, foi me entregue um envelope para que eu levasse com dinheiro no dia da celebração, para a construção do banheiro da igreja. Como dizer não? Dizendo sim, mas não indo. E nunca mais voltando para um lugar a que nunca fui. Não dei um décimo de centavo e nem um pingo de satisfação. Que construíssem a latrina antes do altar. Talvez só agora a fossa céptica tenha se convertido em fossa séptica.

Voltando à rotina. Acordo às quatro da manhã. Tomo um copo de água com vinagre de maçã. Faço meu café. Estudo ou escrevo enquanto beberico. Às seis, faço minha segunda refeição: abacaxi, pão e ovos. Voltarei a comer a uma da tarde: arroz, feijão, ovos e banana. Janto às dezoito. Deito e durmo às dezenove. Acordo pra ver o sol nascer. Durmo sem vê-lo se pôr.  

Da primeira atividade da rotina, criei uma superstição, que, como qualquer superstição, serve pra nada, apenas cumpre um papel de decoração. Enterro carcaças de canetas que usei em borras de café que tomei. Ponho-as num pote fechado e o mantenho sob a luz do sol. Um processo pra fazer de conta que alimenta a inspiração. Brotam fungos, que eu trato como fauna e flora de estimação. Uma vez por semana coloco no criadouro uma colher de açúcar.

A borra. O barro e a energia.

A caneta. A enxada.

O sol. A luz.

Os fungos. A vida.

O açúcar. A comida e a caloria.

Rituais não funcionam comigo. Um jardim decorativo pode ter oculto um jazigo.

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[foto]

quando: Jun&Jul2020

onde: Uganda, Kanungu, Buhoma

por: Andalaquim