áfricarrauá

FLORES DE ALGODÃO

Uganda. Dezembro de 2019

Eu gosto de me vestir como se estivesse usando uniforme. Todos os dias, a mesma roupa, em peças diferentes, iguais entre si. Tenho nove calças verdes idênticas, que, aos poucos, estão se tornando amarronzadas. E pra usar com elas, tenho nove camisas róseas de manga longa, também idênticas entre si. Prefiro a manga longa pra preservar as tatuagens dos raios solares, o que não quer dizer que eu tenha tatuagens de sóis. E sobre a camisa, uso um colete multiuso com sete bolsos, do qual tenho três exemplares iguais. Ou seja, quem me vê diariamente tem a certeza de que não troco de roupa... e nem de calçado, pois são dois pares de botas iguais que completam o visual. Isso é a vestimenta do trabalho.

Já para as horas em que não estou no trabalho, mudam as roupas, mas continua a disciplina do uniforme. São cinco camisas de manga longa de xadrezes bem largos em tons brancos, amarelos e azuis. Gosto de plurais assim, pouco usuais, tipo “xadrezes” e “pores-do-sol”. E por falar neles, já vi pores-do-sol quadrados em dois xadrezes aqui no leste africano. A primeira vez em maio de 2011 no distrito de Mbinga, região de Ruvuma, no sul da Tanzânia. E a segunda há menos de um mês aqui onde moro em Uganda. Já a calça de não-trabalho é uma só. Ela também é verde, mas verde bem escuro. E por ela tenho enorme estima, pois foi presente da minha mãe no Natal de 2018.

Mas ontem a disciplina do uniforme pulou fora da caixa... da caixa inexistente de um presente que me dei. Apaixonei-me à primeira vista por uma camisa, enquanto passava dirigindo pela cidade de Kihihi. Continuei meu caminho, fiz o que tinha que fazer e dirigi mais cinco minutos de volta pra comprar a camisa, mesmo sabendo que talvez eu não tenha coragem de vesti-la. Mas ela é cem por cento algodão, o que é mais de meio caminho andado pra eu usá-la em mim. Eu usei o verbo “usar” no sentido de “vestir”. Em se tratando de roupa, existe algum outro uso que não o de vestir? Sim! Comprei essa camisa para enfeitar o altar da minha escrivaninha, de onde escrevo esse texto agora. Achei-a tão bela, que comprei para usá-la como quadro.   

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[foto]
quando: 14Dez2019

onde: Uganda, Kanungu, Buhoma

por: Andalaquim