AQUARELA DO CAOS
Ele não colhia frutos. Recolhia pétalas. Os frutos deixava aos bichos; morcegos, pássaros, insetos.
Primeiro dia na casa nova, bateram à sua porta sem sobreaviso, bem na hora que cozinhava uma sopa de lombrigas. Era dado a essas esquisitices. Um tipo de ritual: casa nova, lua cheia, ele se batizava: coletava nematelmintos no novo quintal; cozia-os e os comia ensopados. Não minto. Certa feita, ao ver o casco do cavalo ferido, proferiu: esse pus é bom pra libido; inflama o desejo. Não sei de onde tirava essas coisas. Talvez fora o coice que acertara-lhe a cabeça quando menino no sítio dos avós. Levantou-se dizendo: “Foi o beijo do bruxo dos nojos.”.
Seus novos vizinhos é que batiam à porta, vindo dar-lhe boas-vindas à nova cercania. Fez questão de convidá-los à mesa. Insistiu até que aceitassem. A contragosto, ou não —veremos se voltarão—, consentiram em provar a sopa de línguas de beija-flores, que ele ia juntando nas primaveras, quando os caçava enquanto pegava pétalas. Seguia os beija-flores pelas pegadas, fez questão de enfatizar.
“Difícil deve ter sido dividir a porção pra mais de um.”, pensavam os visitantes.
“Não devem estar acreditando que as línguas eram tão grandes. Ignorantes! Nunca desossaram um colibri.”, conjecturava.
Até que um dos comensais solta a língua, comentando:
__Maravilha! Dá pra sentir o gosto doce da iguaria e até saber, pelo sabor do néctar, quais eram as flores que por último eles beijaram.
“Margarida!”, foi como se tivessem beijado-lhe a face.
Voltariam mais vezes, prometeram.
“Merda!”. Ele teria que continuar caçando corvos no subsolo de sua terra nas manhãs de lua nova dos outonos, quando são mais gordos... os engodos. E congelá-los.
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