QUE VIDA DE BUSTO!
Em tudo há certa ironia. Poeta que não liga pra ter livro de sua autoria. Agrônomo que não quer ter terra. Sou os dois. E daí, se não me dói? Há tanto médico que fuma, tanto ímpio santo. Entendendo tudo, há sempre ironia.
Eu observava, atentamente, sentados num banco, um velho pomposo e um menino maltrapilho. Este dando conselhos àquele. Era o que me parecia. Entendendo nada, contentei-me, de e em, admirar a crase... a mim, pia, bela, perfeita; a outros, dúbia.
Na cena, nenhum dos dois me acenava, por mais que eu os olhasse. Sequer me viam, certamente.
Notei um passarinho num galho sobre eles, que cantava sem nem saber piar. Era o menino-ave ao velho-galho. A associação é minha. Vai saber se o velho não era surdo e o menino, mera criança tagarela.
Vendo tudo, há sempre olhos com miopia. Eu estava sem óculos nesse dia. Nem sei se havia mesmo velho e menino, pássaro e galho, banco e árvore. Florear o jardim, não necessariamente com flor, era o que cabia a mim. Eu era o óculos num ser sem orelha, exatamente como o poeta sem livro, o agrônomo sem terra.
O velho, vi mais tarde, era uma estátua. Pelo menos ele ser surdo eu acertei. O menino, um mendigo, que veio e sentou-se comigo. Com certeza, ele me vira. Eu, agora, era o velho. Não me virei. Ouvi tudo. Que vida de busto!
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