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aferykawa-tan. Tanzânia—Set2010

PULIÇA! PÓPRINA...

 

A viagem seria longa: trezentos quilômetros. Pode até não parecer tão longa. Mas as condições da estrada faziam a viagem ser mais longa do que realmente era. A viagem seria, além de longa, muito empoeirada: era a estação seca; trezentos quilômetros em estrada de terra. Oito horas de viagem, exatamente. Oito horas de pura poeira, sem sistema de refrigeração no carro. Muito quente: janelas sempre abertas. Máscaras improvisadas ao cruzar com outros veículos ou segui-los.

 

Era a terceira vez, das três, que eu viajava da cidade de Kigoma para a vila de Muhange. Começávamos a jornada sempre de madrugada e só parávamos na cidade de Kibondo, a uma hora do destino final, para tomarmos café-da-manhã e nos reunirmos com o governador do distrito para recebermos a autorização protocolar dele para a realização da atividade a que nos propúnhamos fazer. Para não perdermos a viagem, ligávamos uma semana antes para obter uma pré-autorização oficial, depois da qual começávamos a preparar a agenda, a equipe e os materiais necessários para o treinamento. Dessa vez, a equipe era só o motorista e eu.

 

Nas três viagens que fiz à vila de Muhange, o governador sempre autorizou as visitas e deu aval aos treinamentos. No entanto, nessa ocasião, a viagem quase foi desastrosa por causa de outras autoridades. 

Tivemos que parar antes da parada programada. Tínhamos saído de Kigoma, cruzado todo o distrito de Kasulu e, então, chegado à ponte que dá acesso ao distrito de Kibondo. Fomos parados por dois militares saídos do meio do mato e cada qual armado com uma metralhadora. Pensamos o pior: saídos do mato e armados: seriam guerrilheiros daquela fronteira conflituosa? Meu motorista era um refugiado dessas zonas de conflito. E, rapidamente, ele me aconselhou: “Deixa que eu resolvo. Não fale nada em inglês nem em suaíle. Só fale em português.”. Eu acompanhei o diálogo todo entendendo o que se passava, mas fingindo entender nada.

Pediram o documento do veículo. Foi entregue. Tudo certo com ele; foi devolvido. Pediram o documento do motorista. Foi entregue. Tudo certo com ele; foi devolvido. Pediram, então, meu passaporte. Foi entregue. “Tudo certo” com ele; foi devolvido. Tudo certo com ele, na verdade, não estava. Meu visto era de turista. E aquela não era uma rota de turismo. Somando-se a isso, nosso carro, com equipamentos de trabalho, denunciava que minha atividade principal não era de turista. Devolveram o documento dizendo nada. Senti um alívio. Só o fato de o devolverem já foi um respiro.

 

Nos meus sete meses iniciais na Tanzânia, em 2010, trabalhei ilegalmente, com visto de turista. Mesmo assim, reunia-me com executivos dos poderes distritais freqüentemente. Trabalhando com café, resolvíamos na base do ‘cafezinho’. Quando meu visto estava para expirar a primeira vez, fui à RD Congo num fim de semana, durante o qual o visto venceu, e, na volta, consegui mais três meses de visto de turista na Tanzânia. Já quando esse novo visto estava para expirar, fiz o mesmo, desta vez indo a Burundi e voltando.

 

Continuaram a inspeção do nosso veículo, pedindo, dessa vez, para ver o macaco e o pneu reserva. Tínhamos ambos em boas condições. Então, um deles olhou firmemente para o nosso carro e, balançando a cabeça, disse:

__Não podemos liberá-los.

__Se vocês não encontraram problema, qual o problema então? —perguntou meu motorista.

__Seu carro está sujo!

Entre sentindo-se nervoso e achando aquilo cômico, o motorista redargüiu com serenidade e seriedade:

__Isso é estrada de terra, soldado!

__Sabe como é: fome e sede. Um sol quente nesse sertão danado. Uma água vai bem, se é que você me entende.

 

Quem se fez de desentendido agora foi o motorista. Ou de muito bem entendido, sei lá.

A ponte estava a menos de dez metros atrás de nós. E o rio, sob a ponte, estava a poucos metros abaixo de nós. Tínhamos no carro, em meio a todo material de trabalho, dois baldes novíssimos, sendo um grande e outro pequeno, que eu tinha comprado um dia antes para serem usados no treinamento. Coisas do destino... antes do destino. O menor era para eu ter furado no dia anterior. Eu o deixaria como uma peneira em forma de balde, usando pregos quentes para perfurá-lo. E, conjuntamente ao balde maior, eles formariam uma estação de ‘boiamento’ de café. Sorte que eu deixara o passo de furar o balde pequeno para ser parte da parte prática do treinamento, e ele estava intacto. Os baldes seriam usados pela primeira vez na remota vila, mas os batizamos no rio, pegando a água com a qual lavamos o carro. E seguimos comendo poeira, dando risadas com a alma lavada.

 

 

 

 

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[foto]

quando: 1Set2010

onde: Tanzânia, Kigoma, fronteira Kasulu-Kibondo

por: Andalaquim

Andalaquim
Enviado por Andalaquim em 25/08/2022
Alterado em 25/09/2024
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