aferykawa-tan. Kigoma, Tanzânia—10Jul2010
AO FATO O QUE FOI DE RATO
Início de junho. Não faz nem um mês que eu cheguei à Tanzânia. Acabo de me mudar de Moshi, cidade linda na região do Kilimanjaro, para Kigoma, tão bonita quanto, na região de mesmo nome. Do norte para o leste do país.
Todo dia, no mesmo horário, o mesmo barulho de bicho caminhando no forro. Apago a luz e o ruído começa. Sou eu disciplinado com o horário de dormir ou o bicho, com o horário de acordar?
Uma casa grande, exatamente às margens do Lago Tanganica, de onde ouço suas ondas. Fico numa suíte cujo teto é de madeira e bem baixo, a apenas 2 metros do chão, gerando um calor insuportável, ainda mais com a única janela a menos de um metro de distância de um muro comprido e alto, impedindo a circulação razoável de ar. Tem mais dois quartos, duas salas, uma cozinha com copa e outro banheiro. Uma casa enorme para quem ama uma quitinete.
A casa inteira só pra mim. Bem..., não é bem assim. Há ratos pela casa toda, não somente esse que parece ter uma espécie de sensor para dar início ao turno noturno. É tanto rato que o intruso na casa sou eu. A tela mosquiteira sobre a minha cama vira um parque de diversões por onde eles passam escalando descaradamente. Uma coisa todos esses murídeos não são: sorrateiros. Agem na maior cara dura, a qual, determinadamente, me pus a querer quebrar.
Comprei cinco ratoeiras. Um número insignificante para a quantidade de roedores que eu estimo ‘criar’. Comprei só para experimentar. Ensaios falhos. As cinco armadilhas amanheceram desarmadas, sem as iscas e sem as vítimas. Erro meu. Perdi a primeira batalha. Cinco tiros errados que, ainda, alimentaram os alvos. Porém, pensando bem, cinco ratos a mais ou a menos não fariam diferença alguma. Logo dei-me conta dessa conta.
Ainda determinado a dar um fim nos meus anfitriões, comprei veneno. Um pó branco que disseram-me ser um tiro certeiro, mas perigoso, pois muitos convivem com os ratos em suas casas para abatê-los no ponto certo para comê-los. Não é o meu caso.
Eu não sei, exatamente, onde são os ninhos. Coloquei o veneno pelos caminhos pelos quais eu os vejo passar. Tiro e queda. Tiro e tombo. Notei a efetividade do método ao ver cada vez menos a circulação dos ratos.
Eu não sabia onde eram os ninhos até que eu tive que descobri-los seguindo o mau cheiro. A cada dia, ratos morrendo. Uma vez envenenados, foram morrer nos ninhos. A casa inteira fedendo carniça e eu seguindo o fedor farejando —ao olfato o que é rato—, para me desfazer dos corpos. Não existe mais nojo nem repulsa. Há satisfação. E o incômodo ruim, pela presença deles, tornou-se um incômodo bom.
Mas um deles, um grande notável deles, não morreu escondido. Morreu bebendo água de um vaso, ao lado dos talheres na prateleira da cozinha, em meio à planta, numa tentativa, talvez, de se desintoxicar. Cena simbólica, mas asquerosa, querendo ou não.
E foi sabendo e querendo, meses depois, que comi dois belos ratos ensopados, mesmo não gostando de sopa.
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[foto]
quando: 10Jul2010
onde: Tanzânia, Kigoma
por: Andalaquim