ESTRATÉGIA
O marido querendo dormir.
A mulher querendo conversar.
Na verdade,
conversar não é bem o que ela quer.
Pra ela,
basta ela falar e ele ouvir.
Estratégia dela:
assim, ele vê quem manda.
Os dois deitados,
virados para o mesmo lado,
na direção da televisão.
Estratégia dele:
assim, ela não vê seu rosto.
Ela começa a falar:
__Bla-bla-bl
Mas antes que ela termine a primeira frase,
ele faz uma observação:
__Pode continuar,
que estou prestando atenção.
Ela então, confiante, continua falando.
Embora sem pressa,
a língua não cessa.
De tempos em tempos,
ele solta um só som,
confirmando a sua atenção:
__Blé-blé-blé
__Rãrrã
__Blê-blê-blê
__Rã-rã
__Bli-bli-bli
__Rã...rã
__Bló-bló-bló
__Rã...
__Blô-blô-blô
__Rã
__Blu-blu-blu
__Ã
O “ã” mostra
que ele já está mais pra lá do sono
do que para cá do papo.
Porém, ela nem percebe.
A língua não deixa.
Ainda pensando que ele se mantém atento,
ela sai do ritmo lento,
fala mais do que já estava falando,
se empolga.
A língua não tem folga.
Nem as confirmações dele,
se ele quisesse,
teriam espaço.
E ele já está vencido pelo cansaço.
Não teria força.
Fora um dia longo.
Foi-se um diálogo.
Até que surge uma pergunta,
que fica sem resposta.
Ela dá nele um cutucão,
rebatido de prontidão:
__Ô, mulher!,
tô dormindo,
que bosta!
__Ah!, então é assim?
Não acredito!
Eu aqui falando
e você aí dormindo esse tempo todo.
__Eu é que não acredito!
Eu aqui dormindo
e você aí falando esse tempo todo.
__Mas como você sabe?
__Mentindo estar dormindo.
Um chute no escuro,
certeiro dele.
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