NÃO CABE, NÃO DIGO
Conversava com o camponês
como dialogava com o doutor.
O mendigo, o médico, o mercador.
O mesmo.
Ouvia o pobre que trabalha duramente
com a mesma atenção
do milionário que sonega arduamente.
Da senhora que lava pratos
ao senhor que lava dinheiro,
havia diferentes águas,
como os telhados
de suas moradas.
Num mesmo dia,
ouviu desejos de choupana
vindos da mansão
e sonhos de mansão
oriundos da choupana.
Pensou:
“Caber aquilo tudo na cabana?
Pensando bem, nem enche.
Encontrar paz no palácio?
Nesse meio, nem se mede.”.
A mansidão e a imensidão.
Um lugar
conseguia ter um e ser o outro.
Alheio a tudo,
o lugar tinha três letras:
ego.
Não alheio a tudo,
o lugar era do mesmo tamanho:
céu.
Por falar em céu,
ao conversar com todos eles,
nunca falava de Deus.
Testemunhava relatos de fé
e era confidente de depoimentos descrentes.
Em nenhum momento,
pontuava (é ponto) ou
discorria (é infinito)
sobre o Divino.
Sabia escutar o outro.
Nada além.
Ao morrer,
escutou:
__É certo que não falou de mim a ninguém.
Mas ouviu os meus o tempo todo.
Eu vi.
Deixe-o vir a mim que sou aqui
e os vizinhos.
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