O PODER DE UMA ASA
Havia um pássaro que pousava todo dia no mesmo lugar.
O homem na varanda, a poucos metros da árvore e que sempre estava a tomar uma xícara de café, observava aquele hábito diário da ave. Era todo dia no mesmo galho. E todo dia quase que na mesma hora. “Se ele tivesse um relógio, tenho certeza de que seria ainda mais pontual.”, pensava o homem cotidianamente.
E assim foi naquela estação: o relógio biológico do pássaro não falhava: nem cedo demais nem tarde de menos, lá estava ele diariamente no mesmo galho de sempre.
Num desses dias, o pássaro piava muito, o que levou o homem a pensar: “Talvez esse galho não seja um companheiro, mas sim um chantagista, que oferece abrigo em troca de histórias de outros ares.”.
Num dos outros dias, como de costume, o pássaro surgiu no tempo certo, que não pode ser chamado de hora exata. No tempo marcado, lá estavam o pássaro e o galho, o homem e a xícara. E a medida que o pássaro piava, o homem pensava: “Será que o pássaro tem o galho como galho de estimação? Será que o galho tem o pássaro como pássaro de estimação? Até porque a palavra ‘ave’ está dentro da palavra ‘árvore’. Seria isso um ‘aliás’ ou seria um ‘afinal’?”. Sorveu um pouco do café, que já esfriava na xícara, e pensou: “Estou pensando demais.”. Ao ir para o último gole, pela primeira vez atento ao seu movimento automático de levar a xícara à boca, pensou: “Será que tenho a xícara como xícara de estimação? Será que a xícara me tem como homem de estimação?”. Apenas concluiu que, realmente, estava pensando demais. Parou subitamente de divagar.
No dia seguinte, postou-se à varanda com seu café para esperar pelo pássaro. Porém, o pássaro não veio. Ele estendeu sua estada na varanda, tomando ainda mais café e observando o galho, que manteve-se vazio. Não houve pouso, não houve vôo, não houve pio. Naquele dia, ao ir servir-se de café antes de ir à varanda, a xícara tinha lhe escapado dos dedos e ele estava a tomar café num copo.
/-\|\||)/-\|_/-\(,)|_|||\/|